CICLO DAS ÁGUAS

Água e esgoto: veja o raio-x do saneamento básico no ES e os planos para mudar a realidade

Cesan, que atende 53 cidades capixabas, promete antecipar as metas do Marco do Saneamento e entregar 99% de água tratada e 90% de esgoto coletado e tratado até 2027

Redação Folha Vitória

Foto: Reprodução TV Vitória

Quando a gente abre a torneira de casa nem imagina que a água limpa é muito mais do que água limpa. E a gente só percebe que faz muita diferença quando falta. Mas, por incrível que pareça, para muitos moradores do Espírito Santo, o comum é não ter água limpa nas torneiras.

São nada menos do que 16%, 613 mil capixabas, sem receber água tratada em casa, segundo dados do Painel de Controle do Saneamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE-ES).

Pior que isso é ficar sem coleta e sem tratamento de esgoto. O Painel do TCE-ES aponta que mais de 1,5 milhão de cidadãos do Estado não são atendidos com saneamento básico.

Na prática, ficar sem saneamento significa não ter condições básicas de saúde, geração de renda, desenvolvimento.

Agora, imagina não ter água mesmo estado do lado de um rio gigante? Essa era a realidade de quem morava na Barra do Jucu, em Vila Velha.

Quem viveu de perto essa história foi a Bianca Santos Neves. Ela mora na Barra do Jucu há 40 anos e lembra do tempo em que apenas uma caixa d'água era a responsável por abastecer toda a comunidade. Ainda não tinha água tratada na época.

“O abastecimento era muito precário, ainda não tinha água da Cesan. Era uma caixa d’água que tinha na região de Riviera da Barra que abastecia as fazendas da época e também aqui, que era o distrito da Barra. Era uma água meio amarela, a gente não bebia dela. Para cozinhar, tinha que ferver antes. Foi inclusive uma batalha da comunidade daqui e eu lembro bem da obra que trouxe a água pra gente. E a partir daí, tudo mudou”, conta Bianca.

E mudou mesmo, porque água tem tudo a ver com desenvolvimento. Drika Ribeiro Guimarães é empresária e resolveu montar um pequeno restaurante em um lugar que tem tudo a ver com a água que é tão presente na nossa vida. O pequeno bistrô fica bem ao lado da foz do Rio Jucu, onde esse gigante encontra o mar. E é isso que atrai os clientes.

“Essa água é tudo. Sem a água a gente não vive e nem consegue tocar o negócio. A gente tem que conscientizar mais as pessoas, a cuidarem disso tudo. Essa água passa de geração em geração e a gente precisa ter esse cuidado”, conta Drika.

Rio Jucu percorre 180 quilômetros

O Rio Jucu tem um papel fundamental para o abastecimento de água na Grande Vitória. É responsável pela água de 60% dos moradores da região metropolitana. 

Desde onde nasce, em Domingos Martins, até onde desemboca, em Vila Velha, atravessa ainda Marechal Floriano, Viana, Cariacica e Guarapari. Um leito que percorre 180 quilômetros. Se algo acontecer com este manancial, mais de 1,12 milhão de pessoas ficam sem água para beber, fazer comida, higiene e limpeza.

Foto: Edu Kopernick

A outra fonte de água da Grande Vitória é o Rio Santa Maria da Vitória, que nasce em Santa Maria de Jetibá, tem 122 quilômetros e percorre Cariacica, Santa Leopoldina, Serra e Vitória.

Ele é responsável principalmente pelo abastecimento da região norte da Grande Vitória, chega ao equivalente a 40% da população da região metropolitana, ou seja, pouco mais de 752 mil habitantes.

As duas moradoras da Barra do Jucu são exemplos de como o saneamento básico pode mudar a vida das pessoas. É uma forma de igualar o jogo, dar as mesmas condições para todos se desenvolverem.

Lei do Marco Legal do Saneamento Básico

E tem uma lei que determina algumas metas para todo o país em relação ao saneamento básico. É o Marco Legal do Saneamento Básico, ou Lei nº 14.026/2020, aprovada em 15 de julho de 2020.

O principal ponto do Marco é a universalização do saneamento básico até 2033. Isso significa que, em todo território nacional, 99% das casas têm que ter água tratada e 90% têm que ter esgoto coletado e tratado.

O problema é chegar a estes números, neste espaço de tempo, com os investimentos que são feitos em saneamento em todo país.

Muitos especialistas afirmam que o Brasil não deve alcançar esta meta, mas no Espírito Santo, estamos bem perto de atingir o Marco do Saneamento.

Pelo menos é o que garante a Companhia Espírito-Santense de Saneamento, a Cesan. Para a diretora de Engenharia e Meio Ambiente da companhia, Kátia Côco, um grande pacote de investimentos e o foco nos resultados apontam para um futuro com o saneamento universalizado no Estado.

Foto: Reprodução TV Vitória

“O Marco estabeleceu uma meta muito audaciosa para o Brasil. Isso requer um avanço significativo, porque os recursos investidos no saneamento do país não foram suficientes e isso requer uma expansão muito grande dos serviços. Mas o Espírito Santo está preparado para atender as metas”, afirma a diretora.

Segundo Kátia Côco, em 2023, a Cesan investiu R$ 830 milhões só nos serviços de expansão do esgotamento sanitário e tratamento.

"Também está em curso um planejamento de investimentos que indica que, na Região Metropolitana, a gente vai antecipar as metas do Marco e entregar 99% de água tratada e 90% de esgoto coletado e tratado entre 2026 e 2027", declarou.

Mas o que dá tanta certeza para a Cesan? Para chegar lá, Kátia Côco explica que serão investidos nos próximos anos R$ 4,3 bilhões. “Esses valores são recordes na história do Estado e da Cesan. Ninguém nunca fez um investimento desse tamanho”.

Água limpa na casa das pessoas

Depois que a água é captada dos mananciais, ela passa pelo processo de tratamento. Isso envolve adição de químicos, principalmente cloro, filtragem e acompanhamento constante, 24 horas por dia, em cada uma das 92 estações de tratamento de água no Estado.

“Nossos operadores têm capacitação técnica e trabalham em turnos, 24 horas por dia, para que a água tenha o máximo de qualidade. Eles fazem um monitoramento constante desde a água bruta até a água tratada por eles, para evitar que qualquer impureza chegue à casa do cliente”, afirma André Lima, da Divisão de Água e Esgoto da Cesan.

A companhia é responsável pelo abastecimento de 73% dos capixabas. Está em 53 dos 78 municípios do Estado. Nessas cidades, são tratados todo ano 250 bilhões de litros de água. Isso é o equivalente a 100 mil piscinas olímpicas cheias.

Depois de tratar a água, é a vez do esgoto

O nome técnico é efluente, mas a gente conhece muito bem mesmo como esgoto. Depois de todo trabalho para tratar a água, a preocupação é com o descarte. Afinal, toda vez que a gente lava as mãos, toma banho, lava alimentos, faz comida, dá descarga e limpa a casa, essa sujeira toda vai para algum lugar.

E ainda tem a água que é usada na indústria e na agricultura. O que fazer com toda essa água suja? É preciso tratar antes de devolver aos mananciais, antes de despejar no rio ou no mar.

“No processo de tratamento de água a gente tem os processos físicos e químicos, para deixar a água própria para o consumo. No tratamento do esgoto, a gente ainda tem os processos microbiológicos. Esses processos são basicamente a ação de bactérias para consumirem a matéria orgânica presente no esgoto. Esta ação, junto com os processos físicos e químicos, vai deixar a água com qualidade e em condições de ser devolvida para os mananciais”, pontua André Lima.

Ao todo, a Cesan tem 101 estações de tratamento de esgoto, que tratam 70 bilhões de litros de efluentes por ano aqui no Estado. Esse volume é equivalente a 28 mil piscinas olímpicas cheias. E só depois de passar por todos esses processos é que a água finalmente pode voltar para os rios e para o mar.

Mas nem todo mundo tem acesso à captação e tratamento do esgoto. Lembra que a gente falou no começo desta reportagem que o Marco do Saneamento prevê a universalização do saneamento? E que só 59,5% do esgoto é tratado aqui no Estado? Então, o que acontece com esses 40,5% de esgoto não tratado? A população precisa se virar com esses efluentes e uma das formas mais comuns de se livrar do esgoto de casa é com fossas sanitárias.

Quem conhece muito bem essa realidade é o militar aposentado Vanildo Varejão. Ele mora no bairro Recanto da Sereia, em Vila Velha. As obras de construção da rede de esgoto estão em curso e, até que fiquem prontas, os moradores precisam se virar com as fossas.

“A região cresceu muito aqui e a infraestrutura não acompanhou. Choveu muito, a água da chuva se mistura com o esgoto”, diz Vanildo.

Ele fala ainda que a comunidade paga caro quando as fossas enchem. São eles que precisam contratar um caminhão próprio para a limpeza, o que pode variar de R$ 400 a R$ 600.

O líder comunitário Hermes Rembisk não vê a hora de as obras ficarem prontas. Quando isso acontecer, ele acredita que a vida dos moradores vai melhorar muito no bairro, porque lidar com fossas sanitárias não é tarefa fácil.

“A rotina de casa é ficar controlando o tempo todo como a gente vai abrir a torneira, a quantidade de água que vai usar. Porque a gente sabe que enche a fossa rápido. E o custo para limpar com o caminhão sugador é muito alto”, afirma Hermes.

Ele lembra ainda que, muitas vezes, os próprios moradores jogam o esgoto na rua e a sujeira se mistura à água das chuvas que vai parar na praia, ali pertinho. Resultado: mar impróprio para banho e risco sério de doenças.

Água e esgoto: ciclo único

Luana Pretto é presidente executiva do Instituto Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país.

Ela é categórica ao afirmar que, enquanto a gente não tiver 100% do esgoto captado e tratado no país e no Estado, alguém vai sair prejudicado.

“Outro ponto é que a gente tem um impacto direto nas bacias hidrográficas. O ciclo da água é único. A gente capta a água, trata, abastece a população. As pessoas usam e descartam o esgoto. Esse esgoto precisa ser coletado e tratado para voltar para a natureza. Se algo acontece nesse processo e o esgoto vai direto para rios e o mar, a saúde das pessoas fica em risco e, ainda, é preciso gastar muito mais para tratar a água que a gente capta no rio”, diz Luana Pretto.

A presidente do Instituto Trata Brasil destaca também o senso de urgência com o saneamento básico que foi acelerado depois da definição do Marco Legal do Saneamento.

“Para o futuro, a gente não vai conseguir universalizar até 2033 com o mesmo modelo de gestão adotado até agora. Se em toda a história a gente só conseguiu ter 60% de coleta e tratamento de esgoto, como em 10 anos a gente vai conseguir ter mais 30%? A gente precisa captar recursos e rever o modelo de gestão para que a gente consiga acelerar o processo e cumprir as metas definidas no Marco”.

Investimento per capita

A Cesan afirma que, nos 53 municípios de atuação, 100% da população urbana já é atendida com água tratada. Além disso, a companhia acelerou a oferta de água e esgoto tratados nos últimos anos.

Para o presidente da Cesan, Munir Abud, essa é a garantia de que o Estado vai alcançar as metas do Marco Legal do Saneamento até antes do prazo.

“O Espírito Santo é o que mais investe em saneamento básico per capita no País. E temos o maior plano de investimento em saneamento da nossa história. O crescimento do nosso índice de cobertura é volumoso comparado ao restante do país”, declarou.

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