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Pesquisa da Ufes aponta maior letalidade por covid-19 em pessoas com baixa escolaridade

Segundo o estudo, 92,3% dos analfabetos que estavam internados em UTI's morreram. Já entre os que tinham ensino superior, a taxa de morte foi de 25,8%

Foto: Reprodução

Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) divulgaram, para acadêmicos do mundo todo, um estudo que revela um índice maior de letalidade em decorrência da covid-19 para pessoas com menor escolaridade. O estudo foi conduzido pelo Departamento de Física da universidade.

A pesquisa verificou a escolaridade de capixabas internados com a doença e fez uma comparação do nível de estudo dos pacientes com o número de recuperados e mortos. A conclusão foi a seguinte: quanto menor o aprendizado, maior a letalidade da doença.

O estudo levou em conta os dados de quase 400 doentes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), entre os dias 25 de fevereiro e 30 de junho. Ao todo, 92,3% dos analfabetos não resistiram. Já entre os pacientes com ensino superior, a taxa de óbitos foi bem menor: 25,8%.

"Pessoas de baixa escolaridade não têm rendimento suficiente para pagar hospitais particulares, ter um plano de saúde, e precisam acessar o sistema público de saúde. E aí começam as dificuldades", ressaltou o professor do Departamento de Física da Ufes, Carlos Augusto Cardoso Passos.

O professor do Departamento de Direito da Ufes e doutor em Psicologia, Júlio Pompeu, afirma que o problema vai além. Segundo ele, é um reflexo da desigualdade social que se mantém até os dias de hoje, não só no Espírito Santo, mas em todo o país.

"Existe um racismo que exclui, existe a falta de educação que exclui, que não permite que se tenha bons empregos, que se tenha renda, que se trabalhe na informalidade. Todos esses são fatores sociais e que dificultam muito que a pessoa consiga, por um lado, se precaver contra a doença. Na exclusão social, você retira todos esses fatores, tanto de prevenção, quanto de tratamento. E aí, claro, o resultado acaba sendo a maior mortalidade", destacou.

Prevenção foi o que faltou para Valdicleia dos Santos Machado, de 36 anos, que morreu, vítima da covid-19, no início de abril. De família pobre, a mulher estudou apenas até a 5ª série do ensino fundamental.

A família diz que, mesmo com a saúde debilitada, ela não havia tomado os cuidados necessários para se proteger do novo coronavírus. A irmã de Valdicleia, a copeira Valdilene Martins, conta que ela não deixou de sair de casa, no bairro São José, em Vitória, para passear com as filhas, de 8 e 12 anos.

"Ela gostava de sair por causa das filhas dela. Ela não queria passar aquela impressão de uma pessoa doente, uma pessoa frágil para as filhas. Ela sempre gostou de sair com as filhas para a praia, para o shopping, para a pizzaria. Então ela não quebrou essa rotina. Ela queria sair com as meninas, mesmo durante a pandemia", disse a irmã.

Valdicleia enfrentava um problema grave no coração. Segundo familiares, a batalha começou em novembro do ano passado. "Ela sofreu um infarto e, após esse infarto, ela sofreu uma parada cardíaca de 25 a 30 minutos, que levou ela ao coma induzido. Então ela ficou mais ou menos 15 dias internada. Desse dia para cá, ela começou a ter algumas complicações e começou a tomar certos remédios fortes, para o coração", contou a copeira.

No dia 23 de março, Valdicleia deu entrada no Pronto Atendimento (PA) de São Pedro, com tosse e falta de ar. Ela chegou a ser transferida para o Hospital Jayme Santos Neves, na Serra, onde faleceu dez dias depois.

"A gente estava acostumado com velório, com pessoas chegando, abraçando, a família dando aquele apoio. E hoje não tem mais isso. E isso fez falta. Você chegar no cemitério e ter dez minutos para enterrar a pessoa, saindo do hospital e ir diretamente para a cova. Só ter dez minutos? O único tempo que nós tivemos foi para agradecer ao Senhor e bater palma. A coisa foi muito rápida. Não podíamos nos aproximar, não podíamos ver", lamentou Valdilene.

Cor da pele

A pesquisa mostra também que a cor da pele pode aumentar o risco de morte por covid-19. Pele parda ou negra aparecem na frente de outros agravantes da doença, como problemas crônicos de saúde, perdendo só para a idade avançada.

"Nós temos, por exemplo, como primeiras características e fatores de risco a idade. Os três primeiros fatores são idade. Mas o que mais nos chamou a atenção foi o fato da etnia constituir um fator de risco. O primeiro fator de risco após a idade", frisou o astrofísico Pedro Baqui.

A relação verificada entre a raça dos infectados e a letalidade da doença foi divulgada recentemente numa das mais importantes revistas científicas do mundo: The Lancet. Os pesquisadores esperam que o poder público também aproveite os dados.

"O que a gente fez agora sobre a taxa de escolaridade serve de alerta para que o governo estadual e o governo municipal invistam mais recursos públicos nas escolas, na área de educação, para que essas pessoas tenham chances iguais àquelas que têm maior poder aquisitivo", afirmou Passos.

A expectativa é contribuir para a redução da mortalidade na parcela mais vulnerável da população, para que essas pessoas tenham condições de se protegerem melhor do novo coronavírus, em vez de chorarem a morte dos familiares.

"Num país dividido em ódios, em pessoas que se manifestam e pensam sociedade política muito mais pelo que não gostam do que pelo que gostam e desejam, é muito difícil você mitigar os efeitos ou atuar para reduzir esses efeitos de exclusão social de forma eficiente, que consiga salvar a vida das pessoas, que consiga evitar adoecimentos e mortes", ressaltou Pompeu.

Com informações da repórter Fernanda Batista, da TV Vitória/Record TV

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