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VÍDEO | Salve Comunidade: moradores da periferia enfrentam desafios para ter moradia adequada

Série de reportagens especiais no Folha Vitória traz temas diversos que impactam as regiões com maior vulnerabilidade social da Gande Vitória

Karolliny morava em barraco de dois cômodos cuja porta dava no mangue. Banheiro, só do lado de fora da pequena residência. A casa da Jorgiane é um pouco maior. Mas, as paredes de pau a pique tornam o ambiente insalubre, quase impossível de viver.

Na mesma região delas, mora o Alvimar, que conseguiu construir, sozinho, uma casa mais confortável. Projeto executado com o suporte da internet. Com realidades diferentes e paralelas, os três têm em comum o sonho de uma moradia melhor.

Ter casa própria é um dos objetivos que mais consome os moradores da periferia, os desafios enfrentados pelas comunidades que sem dinheiro e acessos a projetos estruturais constroem suas próprias residências.

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Em 2019, 19,40% das famílias inscritas no CadÚnico do Espírito Santo, se encontravam em déficit habitacional, o que correspondia a 74.454 famílias em déficit. 

O cálculo do déficit habitacional considera quatro componentes: habitação precária, coabitação, adensamento excessivo, ônus excessivo com aluguel (acima de 30% da renda), sendo que esta última é responsável por quase 90% do déficit total do estado.

Foto: Reprodução TV Vitória

Nas décadas de 70 e 80 o Estado teve um salto, a economia cresceu, mas o planejamento urbano não seguiu o mesmo ritmo. E as pessoas começaram a construir as moradias de uma forma não planejada. Foi justamente o que aconteceu nas áreas de manguezal da região de Flexal, em Cariacica.

A família da estudante Karolliny Cassiano mora próximo ao mangue de Flexal e a solução encontrada por eles para ampliar a casa e construir mais dois cômodos, entre eles o banheiro, foi aterrar uma parte do local usando entulho das obras vizinhas.

"A gente não tinha dinheiro pra pagar um engenheiro, é muito caro. Se a gente fosse esperar pra pagar por um projeto, não teríamos saído daquela situação. Hoje é muito mais seguro ter tudo dentro de casa...não precisar sair para usar o banheiro", lembra Karolliny.

Vivendo no mesmo bairro, a dona de casa Jorgiane da Silva sofreu um AVC e está dependendo da ajuda dos vizinhos para sobreviver. A casa onde moram ela e o filho, que ganha a vida como ajudante de obras, é antiga e nunca passou por uma reforma.

A residência, feita de pau a pique, fica no alto do morro, num lugar de difícil acesso. Apesar dessas condições, Jorgiane fala com orgulho da conquista e sonha com dias melhores.

"A gente vivia se mudando e há nove anos, após juntar um dinheiro bem suado, conseguimos comprá-la. Para ela ficar perfeita, precisa de muita coisa ainda. Mas, a dificuldade para isso é a verba que não temos. Ou eu compro comida e meus remédios, ou compro material para fazer o que precisa", lamenta Jorgiane.

Reprodução TV Vitória
Reprodução TV Vitória
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Um estudo, feito em 2020, desta vez realizado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), mostrou que o déficit habitacional no Espírito Santo é de 116.510 moradias, sendo que 98,9% refere-se aos capixabas com renda familiar de até cinco salários mínimos.

O levantamento mostra ainda que no Sudeste, segunda região do país com maior deficiência de imóveis para atender a demanda reprimida, seria necessária a construção de mais de um milhão de residências para atender a população.

Também em Flexal 2 vive o motorista Alvimar Estevão. Ele construiu a própria casa com o apoio da internet.

"Se eu não tivesse tido essa coragem de construir tudo sozinho, não teria essa casa que tenho hoje. Sempre fui assalariado e a situação para quem vive de salário mínimo é muito difícil. Não ficaria barato contratar um arquiteto ou engenheiro para fazer o projeto. Não tenho como pagar por isso até hoje...imagina na época que estava construindo", contou.

Ocupação irregular e desafios

A questão é que os problemas surgidos de uma ocupação desordenada do espaço físico urbano representam um desafio que está longe de ser vencido.

A corrida para a adequação da infraestrutura em um espaço já constituído, que permita aos seus moradores uma vida com qualidade, é superada pela rapidez com que novos espaços vão surgindo.

"O crescimento econômico não acompanha a demanda. A formação de um bairro nunca se completa, as ocupações vão se sucedendo em seu entorno e, consequentemente, surgem duas realidades: uma parte do bairro, geralmente sua área central, desenvolve-se e passa a concentrar os serviços, os equipamentos urbanos e as camadas de maior poder aquisitivo. A outra parte do bairro, situada na sua periferia, passa a receber os “novos moradores”, que vão ocupando os espaços cada vez mais exíguos, muitas vezes em áreas ambientalmente frágeis. As primeiras áreas a serem ocupadas são, de fato, as regiões de manguezal, as encostas dos morros e assim por diante", explica o diretor de projetos especiais do Instituto Jones do Santos Neves, Pablo Lyra.

O termo déficit habitacional é utilizado para se referir a um determinado número de famílias que vivem em condições de moradia precárias ou que não possuem qualquer moradia.

Neste contexto, são consideradas moradias inadequadas aquelas construídas com materiais não duráveis ou improvisados, que estão em risco, que têm um número excessivo de pessoas vivendo em um pequeno espaço – como no caso da coabitação, ou aquelas que não foram construídas com o objetivo de serem habitadas por uma família.

Demanda futura

O estudo da Abrainc-Ecconit faz uma projeção sobre a formação de novas famílias - incluindo "famílias unitárias", representada pela crescente parcela de brasileiros vivendo sozinhos. Entre 2020 e 2030, calcula-se que 11,4 milhões de famílias surgirão.

Se cada uma delas demandar um imóvel está será a demanda por moradias em todo o país. Famílias com renda de até 5 salários mínimos devem responder por 81% das que precisarão de uma nova residência até 2030.

O Sudeste deve demandar 38,1% das moradias necessárias para atender às novas famílias, totalizando 4,35 milhões de unidades na próxima década. Em seguida, o Nordeste deve demandar 28,5% novas residências, o que representa demanda por 3,252 milhões de unidades.

São Paulo deve ser o estado com maior demanda: 2.294 milhões (20,1% do total nacional). Seguido por Minas Gerais (998 mil moradias ou 8,7% do total do nacional), Rio de Janeiro (817 mil e 7,2%, respectivamente) e Espírito Santo (242 mil e 2,1%, respectivamente).

O que muita gente não sabe é que há programas para construção de moradias populares de uma forma adequada. Famílias que ganham até três salários mínimos têm direito a orientação gratuita e o dinheiro para a assistência seria de fundos do Governo Federal, recursos do orçamento ou privados.

Tudo isso está na lei 11.888, de 2008, que determina que famílias que ganham até três salários mínimos têm direito a orientação gratuita.

Além da lei, famílias que não têm como arcar com os custos para a reforma de uma casa ou até mesmo para regularizar seus imóveis podem contar com a ajuda de projetos como "Adote uma Casa", projeto de extensão da Universidade de Vila Velha (UVV), que reúne alunos de Arquitetura e Engenharia Civil para oferecer assistência técnica à população de baixa renda, transformando imóveis em ambientes adequados para as pessoas viverem. Cinco famílias da Grande Vitória já foram beneficiadas pelo projeto, que surgiu em 2019.

A mão de obra dos serviços é paga com recursos do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Espírito Santo (CAU-ES), enquanto os materiais são doados por empresas da área de construção. O custo das reformas varia de R$ 12 mil a R$ 15 mil e, em geral, os donos da casa precisam se mudar para outro local durante as obras.

Entre os critérios para a família ser selecionada para o projeto, estão: ter renda de até três salários mínimos (R$ 2.994) e o imóvel estar situado em uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis). Nessa região, a equipe conta com o apoio de agentes comunitários para mapear as casas que precisam de intervenção.

O foco do "Adote uma Casa" é, sobretudo, eliminar problemas que afetam a saúde e a qualidade de vida das famílias. Para este ano, a previsão de lançamento de edital voltado para regularização fundiária aconteça no segundo semestre. O investimento previsto é de R$ 60 mil.

Reprodução TV Vitória
Reprodução TV Vitória
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Conheça o Salve Comunidade 

O Salve Comunidade traz reportagens especiais sobre temáticas diversas que impactam as regiões com maior vulnerabilidade social. A proposta não é retratar apenas os problemas, mas também dar espaço para as ações positivas que acontecem na periferia, muito além da violência e da falta de segurança que são temas recorrentes.

O diferencial do quadro, que também vai ao ar no programa Balanço Geral, na TV Vitória, é que, nele, a própria comunidade fala de si para os moradores. Resgata suas histórias, suas conquistas, os desafios, contando tudo a partir do seu próprio olhar.

E quem conta essas histórias é justamente quem vive e compartilha da rotina dessas comunidades: Jhon Conceito, poeta marginal que cresceu nas vielas de Vila Garrido, em Vila Velha, e hoje é referência capixaba em poetry slams - batalhas de poesia cantadas.

Quem capta as imagens e acompanha as entrevistas para o Salve Comunidade é o jovem Ricardo Pereira, filmmaker (cinegrafista) e dançarino, morador de Flexal 1, em Cariacica. Com apenas 19 anos, Ricardo trabalha na produtora Act Group Art - do produtor e artista Miqueias Silva, o MiQ, também localizada na periferia - e já produziu mais de 15 videoclipes, sempre com artistas de comunidade.

O Salve Comunidade surgiu a partir de um projeto do Folha Vitória em parceria com a empresa Meta (Facebook/Instagram), que tem ainda o apoio do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ); Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner).

*Texto produzido pela jornalista Mayra Bandeira, da TV Vitória/Record TV.


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