Saúde

"A amamentação deve começar na sala de parto com o 1º contato", afirma especialista

Segundo Racire Sampaio, especialista em amamentação, o leite materno é um alimento vivo que se modifica de acordo com as condições da mãe e da criança

Ana Carolina Monteiro

Redação Folha Vitória
Foto: Reprodução/Freepik

Muito mais do que apenas uma questão de nutrição, já que é fundamental para a saúde e o desenvolvimento do bebê, o aleitamento materno é algo que vai além do aspecto físico. Trata-se de um vínculo entre mãe e filho, também emocional. 

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O tema abrangente transita, inclusive, por esferas sociais e culturais. Promove debates, questionamentos e dúvidas. Muitas dúvidas! 

O que é certo e o que é errado? Quando o uso de fórmulas é adequado? Qual a importância do primeiro contato nos primeiros minutos após o parto? Quais os mitos e verdades em torno do assunto? 


Sobre isso, conversamos com a pediatra, Neonatologista, especialista em aleitamento materno e professora de medicina, Racire Sampaio Silva. A médica fala sobre os tabus, os desafios dos profissionais que estudam a amamentação, o que todos deveriam saber sobre o tema, além de outros pontos. Acompanhe! 

1. Quando falamos em aleitamento materno, existem muitas contradições?

R: Sim com certeza! O aleitamento materno, como diz o Dr. João Aprigio, criador da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano é um “híbrido natureza-cultura”, ou seja, seria natural amamentar, mas as diferentes culturas influenciam muito fortemente os hábitos de alimentação e de cuidado com suas crianças.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Racire Sampaio Silva é médica pediatra, especialista em aleitamento materno

2. São comuns ainda hoje os tabus em torno da amamentação?

R: Como é parte da cultura, sempre vai haver algum tabu, e de difícil desconstrução. Um dos principais é de que precisa suspender a amamentação se estiver grávida novamente, o que não é verdade. 

Numa gestação normal, sem risco de abortamento, pode-se continuar amamentando normalmente. Mas o leite vai voltar a ser colostro, com muito menos lactose do que o leite maduro, ao qual a criança estava acostumada e ela mesmo pode rejeitar. 

Se o fizer, não há problema, mas suspender a amamentação por este motivo, não é necessário.

3. Quais os maiores desafios entre os profissionais que estudam e pesquisam sobre o aleitamento materno?

R: Como em qualquer pesquisa com humanos, o maior desafio é que as puérperas aceitem ser pesquisadas. Normalmente são estudos observacionais, mas precisamos da colaboração delas doando o leite para estudo… Isso é bem complicado para uma mulher nesta fase da vida, com tantas cobranças. 

Outra dificuldade é a falta de patrocínio porque “Leite Materno não tem preço, mas custa!”, mas o custo não é garantido por dinheiro, não gera renda diretamente como as fórmulas infantis, gera saúde para toda a sociedade, mas não dá visibilidade… Então é muito complicada a vida do pesquisador do leite materno tentando provar que o seu produto é o melhor, mas com a máquina da indústria de alimentos trabalhando contra.

4. O que todas as famílias e comunidades deveriam saber sobre amamentação e muitos ainda desconhecem?

R: Aí temos que priorizar as informações porque é muita coisa! Primeiro toda mulher saudável deve produzir leite para pelo menos 2 bebês. Se por algum acaso não está conseguindo, precisa de ajuda para a produção, não somente oferecer complemento com fórmula para a criança. 

A amamentação deve começar na sala de parto com o primeiro contato, mas começa a ser prejudicada desde aí, com algumas práticas que não são benéficas à amamentação. Veja bem, não estou falando que todos os bebês sugam na sala de parto ou que em nenhum lugar isso é feito, não me entenda mal. 

O que digo é que toda a equipe de saúde precisa receber treinamento adequado e estar em número suficiente para auxiliar a comunidade e a família neste momento tão especial. 

A primeira hora de vida de um bebê saudável que respira adequadamente deve ser em contato com uma mãe saudável que se recupera do parto. Eles devem estar em contato mesmo que seja uma cesariana! Aquele é um momento deles estarem “pele a pele” e não “pele a pano”. Este momento é tão único, mas fica sendo raro por algumas convenções e medos. Tem mais coisa, mas ia ficar muito comprida a conversa…

Foto: Reprodução/Freepik

5. Por que o leite materno é considerado um alimento vivo?

R: O leite humano é composto maioritariamente por água, mas tem um conteúdo de células vivas, proteínas específicas da espécie humana, açúcares e enzimas, além de gorduras específicas para o desenvolvimento cerebral. 

É vivo porque se modifica de acordo com as condições da mãe e da criança, por exemplo, se uma mãe está doente, existem anticorpos para a doença da mãe que passam pelo leite, protegendo a criança da doença. Se uma criança está doente, o leite se modifica para ajudar na cura da criança. 

Tudo o que a mãe come e bebe passa para o leite e chega ao bebê, até o sabor do leite se modifica com o que a mãe ingere. O leite também se modifica com o decorrer da mamada, aumentando a sua quantidade de gordura, e com o crescimento do bebê, passando de colostro nos primeiros 7 dias, a leite de transição até 15 dias e leite maduro a partir de 15 dias de vida. 

O leite da mãe do prematuro permanece com características especiais por mais tempo, porque o prematuro tem necessidades especiais por mais tempo. Infelizmente, algumas mães tem doenças que impedem a amamentação, pela própria doença ou por medicamentos que precisa ingerir e algumas crianças tem algumas doenças que as impedem de mamar no peito. 

Mas vejam bem, isso é uma exceção, não uma regra. Hoje parece que todo mundo tem alguma contraindicação para amamentar, o que precisamos é desmistificar isso.

6. A amamentação é um direito garantido por lei?

Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente as crianças têm direito à alimentação saudável que propicie o seu desenvolvimento. Por isso o Governo Federal fornece fórmula infantil para os filhos das mães HIV positivas, é direito dessas crianças. Mas se não existe contraindicação à amamentação, cabe à sociedade apoiar à mãe e à família neste sentido. Não se trata de ter ou não filhos. 

O filho já está aí, não nos cabe julgar neste momento, cabe-nos como profissionais de saúde acolher e “tocar a alma humana com a nossa alma humana”, como disse Carl Jung, ser empático, sensível, perceber quem precisa de mais ajuda, agir com equidade.

7. Recentemente você publicou um artigo que fala exatamente sobre as mudanças de composição pelas quais o leite materno passa desde que é excretado pela 1ª vez. O que isso demonstra?

R: O artigo fala da influência da alimentação no leite materno, como ela modifica o seu potencial pró e antioxidante entre proteínas e gorduras. Pesquisamos, a partir da alimentação da mãe, como estão estes potenciais no colostro, leite de transição e leite maduro. 

Comprovamos, diferente do que sempre ouvimos falar, que o leite pode ser modificado para melhor ou pior em seu potencial pró e antioxidante, a partir dos alimentos consumidos. Observamos que as participantes com maior ingestão diária de leite, laticínios, óleos vegetais, azeites e legumes exibiram níveis mais baixos de degradação lipídica no colostro, leite de transição e leite maduro, respectivamente.

 Outro resultado digno de nota foi a correlação entre o consumo de refrigerantes e o aumento da degradação proteica do colostro, resultado que não foi observado quando comparado o colostro com as outras fases do leite.

Foto: Reprodução/Freepik @rawpixel.com

8. Sobre o uso das chamadas fórmulas nas maternidades. São indispensáveis? Em quais casos?

Este é um problema que precisa ser discutido amplamente. Existem situações em que a fórmula está indicada e são muito poucas essas situações: se a mãe estiver impossibilitada de amamentar (usou drogas ilícitas há menos de 24h; foi transferida para um setor de terapia intensiva; está em estado grave ou faleceu) o que, convenhamos, é muito raro. 

Outra razão que ainda é muito importante é a hipoglicemia neonatal. Filhos de mães diabéticas, ou pequenos para a idade gestacional são os que mais apresentam. 

Hoje existe, com comprovação na literatura, mas não disponível em todas as maternidades, o gel de dextrose, que é muito eficaz para hipoglicemia sem ser necessário que se use a fórmula, mas se este não estiver disponível, usa-se então a fórmula, se não tiver um leite pasteurizado de banco que esteja disponível para tal. 

Muitas vezes ouvimos que a família solicita porque o bebê está chorando e a mãe está cansada. Pelo amor de Deus, o bebê está estranhando tudo, ele vivia num lugar escuro, quentinho e sem barulho que sumiu de repente e agora ele fica ouvindo o choro dele mesmo, se assusta e chora mais ainda! 

A mãe está cansada, é óbvio, mas vamos ajudar este ser humano! Ninguém escondeu dela que ia ser difícil este início, ela precisa de ajuda, não de fórmula, na grande maioria das vezes. A quantidade média de colostro produzida nas primeiras 24h é de 30 ml por mulher (variando de 10-100ml), sendo que a partir de 72h esta quantidade aumenta para 500ml nas 24h. 

O bebê nasce edemaciado (inchado) e com glicogênio (açúcar) no fígado para esperar este leite, sempre digo que Papai do Céu manda o bebê com merendeira, para esperar o leitinho da mamãe. 

Precisamos ter um pouco mais de paciência e parcimônia na solicitação de fórmulas. Afinal, nesta época em que se discute o abuso de ultraprocessados e suas consequências na alimentação, o primeiro ultraprocessado que se dá para a criança é a fórmula infantil e na maioria das vezes com indicação duvidosa. 

Infelizmente muitos acham mais prático responder às solicitações da família do que parar para explicar, mas muitas famílias só veem o agora: “a criança chora, tem que dar o leite, tem que dar a chupeta…”, mas será que o melhor é atender desta forma ao choro da criança? Ela só pode estar chorando por isso? 

O bebê responde ao estresse com o choro, ele não consegue processar todas estas emoções, e não sabe falar, então chora. É necessário alguém com menor grau de estresse, acolher o bebê e sua família e tentar encontrar soluções que vão além de “calar a boca”, mas que se preocupem com as consequências dos atos naquele momento.

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