Saúde

Teste do Pezinho no Brasil completa 45 anos. Veja a importância do exame

O Dia Nacional do Teste do Pezinho, 6 de junho, foi criado no Brasil para conscientizar a população sobre a importância da realização do exame capaz de diagnosticar inúmeras doenças no nascimento;

Foto: Divulgação / Pexel

O Dia Nacional do Teste do Pezinho, 6 de junho, foi criado no Brasil para conscientizar a população sobre a importância da realização do exame capaz de diagnosticar inúmeras doenças a partir de gotas de sangue colhidas do calcanhar do bebê entre o 3º e o 7º dia de vida.

O Teste do Pezinho é um dos exames mais importantes para detectar doenças em recém-nascidos. Ele foi introduzido no Brasil na década de 70, mas só foi inserido em lei (Estatuto da Criança e do Adolescente) em 1990 e se popularizou em 2001, quando o Ministério da Saúde criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal.

A data chama a atenção para as doenças raras, como as Mucopolissacaridoses (MPS) e outras tantas enfermidades que podem ser diagnosticadas com o teste do pezinho ampliado, versão do exame cuja lei de implementação no Sistema Único de Saúde (SUS) foi sancionada pelo presidente da República no dia 26 de maio e agora espera a prazo de 365 dias para entrar em vigor.

Atualmente, o exame realizado no Sistema Público detecta apenas seis doenças, enquanto a versão ampliada, já disponível no sistema privado, diagnóstica cerca 60 doenças, todas patologias raras. As doenças raras atingem em seu conjunto cerca de 13 milhões de pessoas no Brasil¹, são de difícil diagnóstico e podem afetar o desenvolvimento neurológico, físico e motor.

A implementação do teste com a versão ampliada no SUS, que só começará a partir de maio de 2022, um ano depois da sanção do presidente, será feita de forma escalonada. Isso quer dizer que levaremos ainda alguns anos até que o exame ganhe abrangência nacional no sistema público.

A geneticista, professora da Unifesp e membro da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo (SBTEIM), Dra. Ana Maria Martins, explica que o objetivo do teste do pezinho é detectar doenças antes delas se manifestarem, por isso é feito logo no início da vida.

Hoje o maior desafio das patologias raras é o diagnóstico, que pode tardar anos após o aparecimento dos primeiros sintomas. Já com o teste aplicado em recém-nascidos, é possível alterar o curso da doença. Com um tratamento eficaz e iniciado antes mesmo dos sintomas se manifestarem, a criança tem a sua expectativa e qualidade de vida aumentadas.

“O teste ampliado tem potencial para detectar mais de 50 doenças, melhorando muito a qualidade de vida do recém-nascido brasileiro, já que quanto mais precoce é o diagnóstico, mais cedo a criança começa a ser tratada de maneira adequada e menores são as complicações. Hoje, sem o teste do pezinho ampliado acessível a todos os brasileiros, a maioria dos pacientes com essas doenças fica sem diagnóstico e sem tratamento, com graves consequencias”, relata a Dra. Ana Maria.

Além de influenciar no tratamento das patologias, a médica acredita que o teste do pezinho ampliado no SUS propiciará a criação de um programa escalonado e sustentável de triagem de doenças raras no Brasil, incluindo as MPS, o que pode beneficiar a aplicação de políticas públicas que atendam a esses pacientes e suas famílias.

Pesquisa “Jornada do Paciente MPS II”

Sem o teste do pezinho ampliado, o diagnóstico da Mucopolissacaridose Tipo II, doença genética que faz parte do grupo dos erros inatos do metabolismo, acaba sendo demorado e complexo, uma vez que há múltiplos sintomas e muitos são comuns a outras patologias.

De acordo com o estudo qualitativo “Jornada do Paciente MPS II”, realizado pelo Instituto Inception Consultoria e Pesquisa, instituto de pesquisa focado na área da saúde, e encomendado pela JCR Farmacêutica, cuidadores de pacientes com MPS relatam que passaram por mais de cinco médicos diferentes, incluindo pediatra, otorrino, ortopedista, neurologista e cirurgião, até terem a suspeita de uma doença rara e serem diagnosticados, usualmente pelo geneticista.

Esse percurso pode durar entre um e quatro anos e, ao longo desse percurso, a doença pode se agravar, reduzindo a expectativa de vida do paciente, que não atinge a idade adulta na maioria dos casos.

Isso acontece porque em cada MPS, a produção de uma das enzimas responsáveis pela degradação de alguns compostos é afetada e o acúmulo dos mesmos no organismo do paciente, de forma progressiva, provoca diversas manifestações. Dessa forma, quanto mais tempo se passa sem tratamento, piores são as consequências.

O pediatra é o médico que o tem o contato com o bebê, logo nas primeiras manifestações da doença que muitas vezes acontecem já nos primeiros meses de vida. Ao se deparar com os problemas, esse médico indica especialistas como otorrino, ortopedista e cirurgião pediátrico para diagnosticar e tratar os primeiros sintomas que aparecem na infância.

“Estamos falando de sintomas como quadros repetitivos de otite, hérnias, problemas respiratórios, falta de sustentação da cabeça, mãos e pés em garra”, explica Dra. Ana Maria Martins.

Como os médicos muitas vezes não têm informações sobre doenças raras, que são pouco abordadas no curso de medicina, demora-se até suspeitar da doença e encaminhar para um especialista, geralmente um geneticista, que na maior parte das vezes é quem solicita exames específicos para chegar a um diagnóstico.

Entre os problemas que ocorrem com os pacientes com MPS que não recebem o tratamento adequado, se incluem: limitações articulares, perda auditiva, problemas respiratórios e cardíacos, aumento do fígado e baço e déficit neurológico. E segundo pesquisa do Instituto Inception, não são apenas as crianças que sofrem com o diagnóstico tardio.

As mães sentem uma grande frustração por não terem conseguido realizar o diagnóstico mais cedo. Os relatos mostram que elas vivem um mix de sentimentos como alívio, por finalmente ter o diagnóstico e a chance de tratamento; e culpa, por não terem suspeitado e levado a criança ao médico certo antes, o que poderia ter diminuído o sofrimento.

É o caso de Silmara Moraes da Silva, cujo filho, João Guilherme, tem MPS tipo II. A criança, que hoje tem 10 anos, fez o teste do pezinho logo que nasceu, por meio do convênio médico. No entanto, a mãe nunca buscou o resultado do exame por imaginar que, se tivesse algo de errado, o laboratório entraria em contato com ela diretamente, como foi informada na época.

“Só tive o diagnóstico de MPS do meu filho aos cinco anos. As suspeitas começaram aos três, quando a pediatra da creche o examinou e, ao perceber a barriga muito inchada, pediu exames e o encaminhou para outros médicos. Dos 3 aos 4 anos, percorremos vários especialistas, até chegar a um pediatra que nos incentivou a ir ao geneticista. O geneticista, ao examiná-lo, já suspeitou de MPS, mas pediu os exames que só foram concluídos após mais um ano. Nem sabíamos o que era a doença”, revela Silmara.

Hoje, a mãe de Luiz Guilherme lamenta não ter tido acesso ao diagnóstico antes, por meio do teste do pezinho. Se esse fosse o caso, seu filho teria tido uma melhor evolução da doença por meio do tratamento precoce. “Hoje, meu filho já tem sequelas e está começando a ficar debilitado”, lamenta.

Isso nos mostra que, com o teste do pezinho ampliado no SUS, a possibilidade dos pais detectarem a doença logo após o nascimento e assim garantirem uma qualidade de vida melhor aos seus filhos vai fazer muita diferença não só no tratamento da criança, mas também na saúde mental familiar.

“Sorte dos pais que hoje conseguem diagnosticar com o teste do pezinho. Eu me alegro muito pela lei ter sido aprovada, pois sei que esses novos pacientes terão muito mais chance de ter uma vida melhor”, destaca Silmara Moraes.

A pesquisa ouviu pais de pacientes, associações de pacientes, cuidadores, enfermeiros e médicos de diferentes especialidades com objetivo de compreender a jornada do paciente com MPS II. durante todas as fases. Esse mapeamento reflete as etapas, ações, pensamentos e considerações de todos os envolvidos com a enfermidade, bem como os sentimentos, emoções e preocupações.

As Mucopolissacaridoses (MPS)

A incidência das Mucopolissacaridoses é de cerca de 1 para cada 20 mil nascidos vivos². De acordo com a enzima que se encontra deficiente, as Mucopolissacaridoses podem ser classificadas em 11 tipos diferentes.

No Brasil, o tipo II, conhecido como Síndrome de Hunter, é o mais prevalente - são 0,48 para cada 100.000 nascidos vivos², com uma média de 13 novos casos ao ano. Ocorrendo quase exclusivamente em pessoas do sexo masculino, a MPS II, sem o tratamento adequado, pode causar a morte do paciente já na segunda década de vida.

De acordo com dados da Rede MPS Brasil, entre os anos 1982 e 2019, foram diagnosticados por esse programa 493 pacientes com a MPS tipo II em nosso país, e diagnóstico dessa doença pode ganhar um novo aliado com a aprovação do Projeto de Lei que visa a ampliar as doenças que devem fazer parte do Teste do Pezinho realizado no âmbito do SUS.

Tratamento 

A MPS não tem cura, mas com tratamento adequado é possível controlar a doença e aumentar a expectativa de vida do paciente. Segundo o médico geneticista do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Dr. Roberto Giugliani, a Terapia de Reposição Enzimática (TRE), com infusões semanais de enzima deficiente nesses paciente, foi um importante avanço no tratamento das MPS, embora tenha algumas limitações, como o fato de não penetrar no sistema nervoso, já que em ⅔ dos pacientes com MPS II a doença afeta também o cérebro.

“Novos tratamentos, como os que utilizam enzimas que são capazes de chegar ao cérebro, ainda que tenham sido administradas no sangue, irão permitir tratar as manifestações neurológicas. A combinação dessas novas tecnologias de tratamento com o diagnóstico precoce, idealmente através do teste do pezinho, trará um ganho significativo na qualidade de vida dos pacientes com MPS”, explica o Dr. Roberto Giugliani. 

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