ARTIGO IBEF

Transporte rodoviário em risco após canetada do STF

A situação já ruim piora quando se percebe que, apesar do pedido expresso pelo Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal não modulou os efeitos da decisão

IBEF-ES

Foto: Freepik
*Artigo escrito por Teuller Pimenta Moraes, advogado com foco em direito tributário e processo tributário empresarial; jurídico interno da empresa Ghisolfi Logística e Transporte; membro da comissão de Direito Tributário pela OAB/ES e Diretor de Relacionamentos do IBEF Academy.

O estado da economia de uma nação reflete, entre outras coisas, a disposição de sua população para gerar, fabricar, consumir, armazenar e comercializar uma variedade de produtos e serviços que possam ser úteis. Consequentemente, tudo que interfere nessa disposição afetará a economia. 

No Brasil, poucas coisas têm sido tão nefastas para a economia como o ativismo judiciário desprovido de análises financeiras realizado pelo Supremo Tribunal Federal.

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O transporte rodoviário de cargas no Brasil foi inicialmente regulamentado pela Lei nº 12.619/2012, que modificou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para regulamentar a jornada laboral desses trabalhadores. Posteriormente, novas alterações foram introduzidas com a Lei nº 13.103/2015.

Por certo, a realidade da jornada de trabalho dos motoristas profissionais sempre foi objeto de inúmeras discussões e polêmicas. 

Desde sua promulgação, diversas entidades e representantes do setor levantaram questionamentos quanto à sua adequação, especialmente quanto às jornadas de trabalho, intervalos e descanso dos motoristas.

A mais relevante ação judicial debatendo o tema é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, movida pela Confederação Nacional Dos Trabalhadores Em Transportes Terrestres, que discute diversos pontos da lei que, no seu entendimento, prejudicam os motoristas.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, em análise fria do tema, julgou inconstitucionais uma série de pontos da Lei do Motorista. 

Em resumo, a declaração do STF repercute nos seguintes pontos: tempo de espera; indenização do tempo de espera; cumulatividade e fracionamento dos descansos semanais remunerados em viagens de longas distâncias; fracionamento do intervalo interjornada; e repouso com o veículo em movimento no caso de viagens em dupla de motoristas.

Como se pode presumir, praticamente toda a lei foi simplesmente modificada. Não sendo o bastante uma alteração substancial dessas, a situação já ruim piora quando se percebe que, apesar do pedido expresso pelo Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal não modulou os efeitos da decisão.

Explica-se: ao não delimitar a eficácia temporal da decisão, as alterações passam a ter efeito imediato. Logo, as empresas e a sociedade não tiveram prazo para se adequarem à nova realidade.

Então, o que se tem é que em uma canetada, da noite para o dia, toda a modificação de um sistema normativo em vigor por mais de 10 anos passou a produzir efeitos sem prévio preparo da sociedade. 

Evidentemente, uma das áreas mais impactadas pela decisão judicial será a logística de transporte de cargas.

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O transporte de carga desempenha um papel fundamental na economia brasileira, sendo responsável por movimentar mercadorias essenciais em todo o território nacional. 

Com uma extensa malha rodoviária, o Brasil depende do transporte de carga por motoristas para abastecer seus mercados, impulsionar o comércio interno e externo, e garantir o funcionamento de diversos setores da economia, como agricultura, indústria e comércio.

Com efeito, então, qualquer decisão judicial que não analise com cuidado os efeitos econômicos de uma alteração no setor, tende a criar situações de risco tanto para as empresas envolvidas com transporte, como para os próprios motoristas que não analisaram criticamente as consequências.

Dois exemplos são válidos para exemplificar o que se busca provar.

Primeiro, nas viagens de longas distâncias, até então era comum o empregador contratar dois motoristas para que se revezassem na condução do veículo. Assim, enquanto um motorista dirigia, o outro ficava em descanso. 

O STF, porém, declarou inconstitucional contabilizar o tempo de descanso de um dos profissionais com o caminhão em movimento, obrigando o repouso mínimo de seis horas em alojamento ou na cabine-leito com o veículo estacionado, a cada 72 horas.

Ocorre que, dessa forma, a viagem em dupla no mesmo veículo deixa de ser atrativa. Isso por que, se o caminhão trafegar por 10 horas, mesmo que cada motorista dirija por apenas 5 horas, serão computadas 10 horas de trabalho para cada profissional. A consequência óbvia é que as empresas tenderão a dispensar um desses motoristas.

Segundo, o tempo de espera do motorista para carregar e descarregar o veículo ou em filas para fiscalização de mercadorias era indenizável. Isso é, esse período não era computado na jornada de trabalho, mas o motorista recebia o percentual de 30% do valor da hora normal. 

Com a decisão, o tempo de espera passa a entrar na contagem da jornada de trabalho e das horas extras, o que acarretará o aumento de custos operacionais para as empresas de transporte.

O que chama atenção, mais uma vez, é a insegurança jurídica tão questionada por quaisquer empresários e investidor que mire seu capital financeiro no Brasil. 

No caso em análise, com a simples ausência de modulação dos efeitos pelo STF, a declaração de inconstitucionalidade gerou um “efeito surpresa”, e maculou a confiança dos cidadãos e contribuintes.

Por conseguinte, os efeitos do ativismo judicial sobre a economia são desastrosos. Decisões que desencadeiam mudanças em todo um setor produtivo do país sem a devida análise dos impactos econômicos tem como consequência demissões e aumento de custos de produção. 

E não se trata apenas de ônus financeiro, todavia, também, de se espalhar indeterminação jurídica generalizada e maximizar riscos para quem, as duras penas, tenta ser empresário no Brasil.

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