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Secretário de Saúde diz que quem critica passaporte esconde posição antivacina

Declaração de Nésio Fernandes ocorreu no mesmo dia em que a Câmara de Vereadores de Vitória aprovou projeto de lei que suspende a exigência do passaporte em estabelecimentos comerciais

Após a aprovação de um projeto aprovado pela Câmara Municipal de Vitória, nesta segunda-feira (14), que proíbe a exigência do comprovante de vacinação para se ter acesso a estabelecimentos públicos e privados na Capital, o secretário de Saúde do Espírito Santo, Nésio Fernandes, divulgou um vídeo em que critica a medida. Para ele, essa é uma forma de esconder o posicionamento antivacina.

O projeto 174/2021, de autoria do vereador Gilvan da Federal (Patriota), foi aprovado durante sessão da Câmara de Vereadores por 9 votos favoráveis contra 4. 

Além de proibir a exigência de passaporte vacinal em estabelecimentos comerciais, a matéria também prevê multa a quem quiser fazer a exigência do comprovante de vacinação em seu estabelecimento.

No vídeo divulgado pelo secretário de Saúde, ele afirma, sem citar a situação ocorrida em Vitória, que o posicionamento contrário à vacinação é mascarado por polêmicas e narrativas que proíbem o passaporte vacinal.

"Alguns grupos extremistas, de extrema direita, e alguns que escondem o negaciosismo e seu posicionamento antivacina, na polêmica, na intensidade, nos gritos e no financiamento de assessores para ocupar câmaras de vereadores no nosso estado, escondem suas posições antivacinas na narrativa contra o passaporte vacinal, que é uma medida adotada em praticamente todo o mundo civilizado, que  ajuda a reduzir os riscos de infecção e garante que toda a população esteja com o calendário de vacinação em dia", disse.
Foto: Divulgação/ Sesa

Para Nésio Fernandes, a opinião de quem se posiciona contra o passaporte vacinal é pautada em argumentos antivacina e notícias falsas.

"Aqueles que criticam o passaporte vacinal fundamentam seus argumentos nas teses daqueles que são um movimento antivacinação. Dizem que a vacina não protege contra o vírus, que está desatualizado. Fundamentam no estímulo do medo da população. Tratam de tentar criar um gueto político numa alta ressonância da gritaria que compõem nas redes sociais", afirmou.

O projeto agora segue para a análise da Prefeitura de Vitória, que pode sancioná-lo, vetá-lo ou devolvê-lo sem manifestação, como ocorreu com o projeto “Eu escolhi esperar”, que foi promulgado (virou lei) e deve ser aplicado nas escolas e postos de saúde.

Projeto de lei é inconstitucional?

O PL aprovado na Câmara tem dividido a opinião de especialistas. Para o advogado constitucionalista Flavio Fabiano, a matéria é inconstitucional e deverá ser contestada futuramente, caso vire lei. Segundo o especialista, ela vai de encontro ao que determinou o governo do Estado, em portaria da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) na última semana de janeiro.

Na análise de Flavio Fabiano, o projeto já nasce com várias imperfeições jurídicas. "A primeira questão é quanto à competência para tratar esse tema, que é do Poder Executivo e não do Legislativo, uma vez que trata de questões relacionadas à própria organização e funcionamento do município. E isso cumpre ao chefe do Executivo, no caso o prefeito", explica.

Ele cita que o Supremo Tribunal Federal (STF) fez uma interpretação dos artigos 23 e 25 da Constituição Brasileira, em que esclarece o papel dos Estados, dos municípios e da própria União quanto ao funcionamento e a imposição de restrição em bens e serviços e que devem observar o interesse local. 

"Ou seja, os municípios podem impor maior restrição relacionadas aos estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços. Mas, na mesma interpretação, o STF também alertou que, em caso de flexibilização de normas pelo Estado, os municípios podem restringir, mas nunca o contrário. Ou seja, quando o Estado restringe não poderá o município flexibilizar regras", comparou.

Assim, na prática, a projeto de Lei aprovado pela Câmara de Vereadores de Vitória estaria acima do que recomenda a lei estadual, o que não é permitido.

"Não tem o Legislativo competência para tratar matéria que é exclusiva do Executivo. E muito menos flexibilizar no âmbito local uma regra que está restritiva para o Estado", apontou, dizendo que não há diferenciação se o Estado determina por meio de Lei ou por portaria, como foi o caso da obrigatoriedade do passaporte vacinal recomendada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).

Já o advogado Sandro Câmara, especialista em Direito Público e Administrativo, tem uma visão diferente sobre o assunto. Para ele, o projeto de Lei aprovado na Câmara Municipal de Vitória não é inconstitucional.

Ele citou um posicionamento do STF em relação à MP 926, de 2020, editada pelo Governo Federal e que trata de diversas medidas relacionadas ao combate à covid-19, como dispensa de licitação em compras relacionadas à pandemia e regras para circulação de pessoas e mercadorias.

"O Supremo Tribunal Federal pronunciou contrariamente à MP 926, reafirmando que as medidas de saúde pública visando ao combate à pandemia são competência comum a todos os entes federativos, cabendo à União o trabalho de coordenação, não como imposição, mas em respeito à autonomia dos entes e ao princípio federativo", salientou.

"No caso específico, considerando o que dispôs o STF na ocasião, não me parece que o projeto de Lei 174/2021 padeça de inconstitucionalidades, quer pelo aspecto material ou formal, pois o município poderia não só aplicar mais restrições em relação às normas estaduais e federais, como também, em sentido contrário, estabelecer medidas menos restritivas a par das já existentes, como o fez no caso da proibição do passaporte vacinal", acrescentou.

O advogado e professor Eduardo Sarlo destaca que, pela Constituição, é permitido aos municípios editar leis sobre saúde e vigilância sanitária, de interesse local e específico, suplementando outras de nível federal e estadual. O especialista explica que geralmente prevalece a norma de maior abrangência, em face dos interesses maiores da nação e do efeito integrador dela.

"Na preponderância entre o interesse econômico e o interesse à saúde em geral, deve prevalecer o segundo. A vida é o bem maior do ser humano e a condição para ser tratado com dignidade também", afirmou.

O advogado e professor ressalta ainda que a questão vem sendo debatida na sociedade com um viés muito político, em vez de se levar em consideração os aspectos científicos. Para ele, é fundamental a avaliação de um especialista no assunto para indicar o impacto da exigência do passaporte vacinal no controle da pandemia da covid-19.

"Esta discussão atualíssima, em que se coloca em xeque a supremacia do interesse público em face do particular, a ponderação de princípios constitucionais e a capacidade (ou não) do Estado de intervir em situações extremas, nos leva ao cenário que reside o tão falado 'passaporte de vacinação'. Desta feita, temos que defender medidas que realmente protegem a vida humana, e não medida de natureza política, que priorizam ideologias e propostas políticas eleitoreiras", frisou.

"Assim, temos que ter uma avaliação técnica de um expert, de um cientista reconhecido no assunto, apontando se realmente o passaporte vacinal hoje é medida relevante para se proteger a vida, ciente de que restrições também podem afetar a vida humana, pois podem trazer miséria, desemprego, violência, criminalidade e negócios fechados", completou.

Vereador diz que projeto defende direito de ir e vir do cidadão

Autor do projeto de lei aprovado nesta segunda-feira pela Câmara de Vitória, o vereador Gilvan da Federal disse à reportagem do jornal online Folha Vitória que o "clamor popular" foi um dos motivos que o levou a apresentar a proposta.

"Meu celular não para de receber ligações e mensagens de pessoas reclamando da humilhação e do constrangimento que estão sofrendo por causa da exigência do passaporte vacinal. Elas estão sendo coagidas de adentrar um local, como se fossem leprosas", afirmou.

Além disso, o parlamentar alegou que uma portaria não pode afetar o direito constitucional que o cidadão tem de ir e vir.

"O passaporte da vacina começou com uma portaria assinada pelo secretário de Saúde, Nésio Fernandes. Uma portaria, que não é lei. Sem ouvir o povo e sem ouvir a Assembleia Legislativa, que é quem tem a atribuição de fazer as leis no Estado, o secretário fere o direito constitucional das pessoas de ir e vir. É um absurdo uma portaria dividir o povo capixaba, como tem acontecido", ressaltou.

Gilvan da Federal também questiona a efetividade da medida na prevenção contra a covid-19. "Você exigir o uso de máscara e disponibilizar álcool em gel, tudo bem. Mas de onde tiraram a ideia de que o passaporte vai evitar que haja contaminação? Quem tomou a vacina pega e transmite a doença do mesmo jeito", argumentou.

"Estão oprimindo quem trabalha, gerando emprego e impostos. Muitos comerciantes tiveram um prejuízo enorme com o comércio fechado na pandemia. Agora o Estado quer multar esse comerciante caso os clientes não tenham o passaporte", completou o vereador.

Governo do Estado prefere aguardar manifestação de Pazolini

O governo do Estado irá aguardar o posicionamento do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) para se pronunciar a respeito do projeto de Lei que proíbe a apresentação do passaporte vacinal em Vitória para frequentar estabelecimentos públicos e privados como bares e restaurantes. 

Por meio de nota, a P`GE ressaltou que é necessário aguardar a tramitação do projeto de Lei, que agora vai para sanção ou veto do prefeito. "Mas, vale destacar que a Portaria da Secretaria da Saúde tem fundamento de validade em Lei federal e que o Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmou a possibilidade da cobrança do passaporte da vacina", completou.

Prefeitura de Vitória se manifesta

A Prefeitura de Vitória foi procurada para saber se o prefeito irá vetar ou sancionar o projeto. A assessoria do prefeito disse que em respeito à independência e à autonomia dos Poderes, vai aguardar o encerramento do processo legislativo e o recebimento do projeto para analisá-lo.




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