CICLO DAS ÁGUAS

Chuvas intensas e secas prolongadas são ameaça à água

As mudanças climáticas e seus extremos comprometem os processos de saneamento e ameaçam a saúde das pessoas

Redação Folha Vitória

Foto: Montagem Folha Vitória

A água que chega na nossa casa está diretamente relacionada com o calor cada vez maior que a gente percebe no dia a dia. As mudanças climáticas afetam a quantidade de água disponível e o saneamento básico fica mais difícil. Tratar água depois de um temporal não é fácil. 

Difícil também tratar esgoto e destinar resíduos em época de secas extremas. Tudo está diretamente relacionado e, muitas vezes, a resposta da natureza a alguns comportamentos das pessoas no dia a dia pode ser avassaladora.

Um temporal nunca visto em Mimoso do Sul. Pelo menos 18 mortos, milhares de pessoas desalojadas, centenas de desabrigados. A tempestade com chuva de mais de 220 milímetros em 24 horas mostrou como a natureza pode ser furiosa ao simplesmente seguir seu curso. 

Christiani Severino, moradora de Mimoso, passou a madrugada do dia 23 de março com água pelo pescoço. Ela se amarrou a uma porta de freezer no segundo andar da casa onde mora para não morrer.

A água carregada de lama, entulhos e sujeira tomou conta de tudo. Arrastou o que havia pelo caminho. Um evento extremo que ela nunca tinha visto na vida.

“Nasci e me criei aqui em Mimoso do Sul. Em toda minha vida nunca tinha visto nada parecido com isso. A cidade nunca tinha alagado tanto assim. Eu achei que ia morrer dentro de casa sozinha, mas graças a Deus fui resgatada de manhã. Mas se eles demorassem mais uns 20 minutos, eu não estaria aqui agora”, conta Christiani.

*Vídeo feito por Christiani Severino após enchente em Mimoso do Sul

Esse foi apenas mais um dos cada vez mais comuns eventos climáticos extremos registrados. São chuvas torrenciais que, em horas ou até minutos, alagam, inundam cidades inteiras, tiram a vida de pessoas. 

Nos eventos do Sul do Espírito Santo em março deste ano, 20 pessoas morreram, 13 cidades ficaram em situação de emergência, municípios ficaram tomados de lama. Famílias perderam absolutamente tudo que tinham. Até suas casas.

E se cai chuva demais de um lado, do outro, a seca obriga o racionamento de água. Segundo a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), em alguns municípios do Norte e Noroeste do Espírito Santo a agricultura foi obrigada a reduzir o consumo em 20%. A indústria, em 25%. Famílias ficaram com restrição para usar água nos afazeres de limpeza, como lavar janelas e calçadas. 

Os mananciais ficaram sem água suficiente para atender a população das regiões em novembro e dezembro de 2023. Um sinal de que o aquecimento global não está mais apenas na teoria.

“Nós estamos observando nos últimos anos que temos períodos de muita anormalidade. Em novembro e dezembro, nós tivemos uma redução de 70% a 75% dos volumes de chuvas que eram esperados para esse período aqui no Estado. Isso gerou um impacto imediato na vazão dos rios”, alerta o diretor presidente da Agerh, Fábio Ahnert.

E ele complementa: "Os nossos rios são de porte menor aqui no Espírito Santo, à exceção dos rios Doce, São Mateus e Itapemirim, mas os outros rios são pequenos. Quando a gente passa por períodos em que espera a chuva e a chuva não vem, a vazão desses rios cai muito rapidamente".

Aquecimento global

E se alguém, por algum motivo, ainda duvida do aquecimento global e das consequências que isso pode trazer para nossa existência, o ambientalista Fernando Schettino é categórico: 

“Nós já aquecemos o planeta em 1.1 grau. Não parece nada, mas essa é a média. Tem lugares no Ártico, por exemplo, que estão dando 8 graus a mais. A gente está vivendo num contexto que, primeiro, é preciso acreditar que o ser humano causou a mudança climática. Depois, que precisamos encontrar a receita para prosperar de forma sustentável, para manter empregos e a atividade econômica”.

Schettino defende que as mudanças climáticas são reais e estamos percebendo há tempos os efeitos delas.

"O que nós estamos colhendo hoje são impactos que causamos há 20, 25 anos. Nós começamos a mudar de forma muito acelerada a composição da atmosfera. Em 200 anos a gente tirou a rolha do carbono do planeta. Mudamos as correntes marinhas, as massas de ar e com isso ocorre uma aceleração do aquecimento, porque o carbono retém mais o calor. Ao mudar isso a gente coloca mais chuva num lugar, mais seca no outro”, afirma Schettino.

Ciclo da água refém das mudanças climáticas

Todos esses extremos comprometem diretamente o saneamento básico. É como se os nossos descuidos com o meio ambiente se voltassem contra nós.

Para o biólogo Daniel Gosser Motta, o ciclo hídrico e as mudanças climáticas estão diretamente relacionados. E isso vai dificultar, e muito, o tratamento de água e esgoto. Significa que podemos ficar sem um recurso essencial por causa do desequilíbrio cada vez maior na natureza.

“O saneamento básico tem um link com as mudanças climáticas porque se não tiver um saneamento eficiente, vai aumentar a poluição dos recursos hídricos. Em eventos de extrema seca, por exemplo, vai ter menor quantidade de água e maior quantidade de poluição. A concentração da poluição aumenta e isso vai piorar ainda mais a condição de captação e abastecimento, seja de água para a indústria ou para o uso doméstico”, pontua o biólogo.

E aí fica mais difícil captar e tratar água e esgoto. As pessoas ficam sem esses serviços. Quando tem chuva demais, por exemplo, a água do rio fica barrenta, cheia de lama remexida. Então, para a água chegar limpinha e cristalina na casa das pessoas, o gasto é bem maior. E às vezes nem dá para tratar a água. Tem que esperar a lama baixar um pouco, antes de fazer a captação.

“Existem momentos de chuvas torrenciais em que a qualidade da nossa matéria prima cai muito. Até chegar ao ponto de algumas estações ficarem saturadas com a quantidade de resíduos que chega. Nesse momento, a gente fica incapacitado de tratar porque, se a gente continua o processo, vai chegar uma água ruim à casa das pessoas. Por isso que momentaneamente há a necessidade de parar a estação para evitar que água saia dos padrões de potabilidade”, explica André Lima, da Divisão de Água e Esgoto da Cesan.

O ambientalista Fernando Schettino diz que é preciso dar uma ajuda para a natureza e que não dá mais para ignorar esse cuidado. 

“A água não acaba, ela muda a forma de funcionar no ambiente. Nós temos regiões onde chovia mil milímetros por ano e talvez continue assim ou mais. Só que tem época que chove mil milímetros em 10 dias, em um mês… e o resto do ano não chove. Essa é a questão. A gente precisa entender esse contexto e encontrar caminhos que levem a estabilizar o clima e manter a economia funcionando. Agora, não tem almoço grátis. Nós teremos que fazer ações que vão mexer com as pessoas”.

LEIA TAMBÉM: Água e esgoto: veja o raio-x do saneamento básico no ES e os planos para mudar a realidade

Pontos moeda