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Tragédia em Mariana: “Indenizações no Brasil foram injustas”, diz advogado britânico

Uma decisão histórica da Corte inglesa, publicada nesta sexta-feira (08), receberá o caso e deverá ouvir demandas de mais de 200 mil atingidos pelo desastre

Isabella Arruda

Redação Folha Vitória
Foto: Matthew Pover

Após decisão da Corte inglesa de receber ação coletiva com demanda de mais de 200 mil atingidos pelo desastre ambiental ocorrido em Mariana, em Minas Gerais, em novembro de 2015, o advogado britânico à frente do caso, Tom Goodhead, sócio-Administrador global do escritório PGMBM, comentou o assunto em coletiva de imprensa realizada na tarde desta sexta-feira (08).

Para ele, algumas indenizações já concedidas a brasileiros atingidos direta ou indiretamente pela tragédia ficaram “muito aquém do justo” e isso não deve trazer prejuízo nenhum em termos de novos ressarcimentos na ação inglesa. “Essas pessoas vão poder continuar pedindo reparação”, disse.

Segundo Tom, esta é a maior reclamação civil coletiva já existente em moldes internacionais, além de ser a primeira em dupla jurisdição entre Inglaterra e Brasil.

“Nós estamos lutando para que esse conflito seja julgado aqui há mais de três anos. Então essa decisão de hoje foi muito importante e reconhece a falha da BHP Billiton em indenizar as pessoas de forma justa. Os próximos passos na justiça serão de mais fácil processamento e uma definição da responsabilidade da empresa pode acontecer até 2023”, explicou Goodhead.

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Para o jurista britânico, a empresa controladora da Samarco deveria aceitar o resultado da decisão sem apelar às instâncias superiores, mas simplesmente reconhecendo o desastre de grandes proporções. “Diante do desastre que acompanhamos há anos, a BHP, através da Samarco, não deveria recorrer da decisão, considerando os danos causados. A corte inglesa deverá levar à frente o caso”, acrescentou.

Diante das explicações do sócio do PGMBM, os próximos passos na justiça inglesa contam com duas possibilidades:

• Se a BHP apelar para a corte superior, a empresa teria que conquistar a permissão da corte atual e este julgamento da permissão seria em outubro ou novembro;
• Se a empresa não apelar, poderá apresentar uma defesa na própria corte (na instância atual), o que aconteceria até o início de 2023.

Até o momento, Goodhead observa um montante financeiro crescente como valor da ação, já que há juros e correção monetária sendo aplicados diariamente, bem como novos clientes chegando para pedir ressarcimento pelos danos. “Tudo isso ainda está sendo calculado. Há inclusive novos clientes interessados no processo e lutaremos para que sejam incluídos. Tudo começou com uma estimativa de £ 5 bilhões (de libras esterlinas), mas acredito que será muito mais. Na decisão de hoje (08) já se fala em £ 25 bilhões”, pontuou.

Quanto a quem recebeu indenização no Brasil, Tom afirma que cada caso será analisado individualmente para saber quanto cada um poderá receber judicialmente na justiça britânica. “Lutaremos sempre pelo melhor interesse dos nossos clientes”, ressaltou.

Por que um julgamento na Inglaterra?

Segundo o advogado britânico Tom Goodhead, foi em uma visita ao Rio de Janeiro, em 2017, que surgiu a ideia de levar o processo para o Reino Unido, sede da empresa BHP. Ele teria sido abordado por um advogado carioca que o questionou se isso seria possível.

“Verifique que seria aconselhável tentar, visando uma indenização mais justa e integral para as vítimas, em um menor espaço de tempo. Isso porque os mecanismos de ações coletivas na Inglaterra são menos complexos que no Brasil, assim, elas tramitam mais rapidamente”, contou.

Ao final da coletiva, o jurista citou trecho do filme “A good man”: “Se você quer a verdade, você precisa aguentar a verdade”. “Caso a empresa não faça a coisa certa agora, vão ter que suportar um processo com todas as consequências que há em nosso país, como o exame profundo de documentação, que envolve inclusive os diretores. Deverão aguentar as vítimas trazendo os fatos. Os executivos deverão explicar o porquê de tudo ter acontecido e provar os fatos alegados”, finalizou.

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Entenda decisão

A tragédia ambiental de Mariana, em Minas Gerais, ocorrida em 05 de novembro de 2015, está longe de encontrar um desfecho também na esfera jurídica.

E, desta vez, uma decisão histórica da Corte inglesa, publicada nesta sexta-feira (08), receberá o caso e deverá ouvir demandas de mais de 200 mil atingidos pelo desastre, nos territórios do Espírito Santo e do Estado vizinho. Para detalhar a decisão, uma coletiva de imprensa está marcada para a tarde de hoje.

O caso abriu um precedente mundial, em que um mesmo grupo responderá por crime ambiental em dois países, tanto na nação em que ocorreu o desastre, ou seja, no Brasil, quanto no país em que está instalada a sede da empresa principal, neste caso, a BHP Billiton, controladora da Samarco.

A ação, que é movida pelo escritório de advocacia internacional PGMBM contra as empresas administradoras da mineradora anglo-australiana BHP, deve seguir agora para a fase chamada “de mérito”, em que será determinada a responsabilidade das empresas sobre os danos causados pelo desastre.

Em uma das maiores ações coletivas da história dos tribunais britânicos, busca-se reparação integral pelas perdas sofridas por conta do rompimento da barragem de Fundão em 2015. O caso envolve mais de 200 mil clientes, incluindo 25 municípios, 5 autarquias, 531 empresas de diferentes portes e 15 instituições religiosas.

O Tribunal de Apelação inglês rejeitou totalmente a contestação (defesa) da BHP quanto ao local para julgar a ação, sob diversos fundamentos, incluindo:

• Nenhum dos Autores ou Réus são parte nas várias Ações Civis Públicas no Brasil;
• Existe grande incerteza quanto à possibilidade de os Autores alcançarem compensação adequada no Brasil em comparação com a Inglaterra;
• A provável demora na resolução da principal Ação Civil Pública (ACP) e a provável inaptidão dos autores para se ajuizar uma nova ACP contra a BHP no Brasil e consolidá-la com a ACP.

Posicionamento da BHP

Procurada pela reportagem, a empresa BHP Billiton enviou nota. Confira na íntegra:

"A decisão divulgada hoje pela Corte de Apelação no Reino Unido reverteu o julgamento anterior da justiça inglesa extinguindo o processo por abuso processual. O julgamento de hoje se refere a questões preliminares referentes ao caso; não é uma decisão relacionada ao mérito dos pedidos formulados na ação inglesa.

Revisaremos a decisão e consideraremos nossos próximos passos, o que inclui a possibilidade de requerer permissão para recorrer à Suprema Corte do Reino Unido. A BHP continuará a se defender da ação no Reino Unido, a qual acreditamos ser desnecessária por duplicar questões que já são cobertas pelos trabalhos da Fundação Renova em andamento sob a supervisão do Judiciário brasileiro e por processos judiciais em curso no Brasil.

A BHP Brasil reitera que sempre esteve e segue absolutamente comprometida com as ações de reparação e compensação relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão da Samarco. Até hoje, R$ 21,8 bilhões foram desembolsados nos programas de remediação e compensação executados pela Fundação Renova.

Até o final deste ano, cerca de R$ 30 bilhões terão sido despendidos em programas de reparação e compensação para os atingidos. Atualmente, mais de R$ 9,8 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 376 mil pessoas. Pelo Sistema Indenizatório Simplificado, R$ 6,1 bilhões foram pagos para quase 59 mil pessoas com dificuldade em comprovar seus danos".

O que diz a Fundação Renova

Sobre o assunto, a reportagem também entrou em contato, por telefone, com a Fundação Renova. Confira a nota enviada:

"A reparação conduzida pela Fundação Renova se encontra em um momento de avanços consistentes nos programas que tiveram definição clara pelo sistema de governança participativo. Até maio, mais de 376 mil pessoas foram indenizadas ou receberam auxílios financeiros emergenciais, totalizando R$ 9,87 bilhões pagos a atingidos do Espírito Santo e de Minas Gerais.

No reassentamento de Bento Rodrigues, 47 casas foram concluídas e 103 estão em construção. Em Paracatu de Baixo, 36 tiveram as obras iniciadas. Foi concluída a implantação da restauração florestal em áreas onde houve depósito de rejeitos. Uma área equivalente a 16 mil campos de futebol será reflorestada em terrenos não impactados por meio de editais de reflorestamento em Minas Gerais e no Espírito Santo.

A água do Rio Doce se encontra em condições similares às anteriores ao rompimento e pode ser consumida após tratamento. Também foi concluído o repasse de R$ 830 milhões para os estados do Espírito Santo e de Minas Gerais e 38 municípios para investimentos em educação, infraestrutura e saúde. Cerca de R$ 21,8 bilhões foram desembolsados nas ações socioambientais e socioeconômicas".

Relembre o desastre

Já são quase 7 anos: em 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, de responsabilidade da Samarco, se rompeu em Mariana, no estado de Minas Gerais.

Foto: Agência Brasil

Ao todo, 19 pessoas morreram, as comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo foram arrasadas e os 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro foram lançados no rio Gualaxo do Norte e contaminaram os 670 km do leito do Rio Doce, até o litoral do Espírito Santo.

Desde então, pessoas que sofreram prejuízos estão sendo indenizadas pela Fundação Renova, entidade que representa as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton e que foi criada para lidar com a reparação dos danos causados pela tragédia ambiental. Os acordos individuais têm valores específicos para cada uma das famílias atingidas e são confidenciais, de acordo com a Fundação Renova. 


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