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VÍDEO | Salve Comunidade: sem creches, famílias da periferia recorrem à rede de apoio

Série de reportagens especiais no Folha Vitória traz temas diversos que impactam as regiões com maior vulnerabilidade social da Grande Vitória

Desempregada e com quatro filhos para criar sozinha, a chapeira Graciela Ferreira, moradora do bairro Central Carapina, na Serra, viveu dias de angústia sem saber como alimentar a família. Ela não conseguia um emprego porque não tinha com quem deixar as crianças.

As creches onde conseguia vagas, só funcionavam em meio período e, sem ter um mecanismo de apoio para cuidar deles no horário em que estivesse trabalhando, ela sobreviveu por muito tempo com o pouco, bem pouco, que ganhava fazendo bicos.

"Meu filho mais velho estava abaixo do peso porque durante muito tempo não se alimentou direito. Tinha dias que não tinha o que comer dentro de casa" relembra.

A dificuldade enfrentada por Graciela é compartilhada por outras famílias no país. Mais de três milhões de crianças brasileiras não têm vaga na educação infantil, ciclo que vai de 0 a 6 anos e é garantido como um direito pela Constituição. Dos 0 aos 3 anos, a matrícula em creche é opcional, já a inscrição na pré-escola para crianças de 4 e 5 anos é obrigatória.

Oferta de vagas nas creches e pré-escolas é desigual

Diante da falta de vagas para todos, entra em ação a rede de cuidado informal: as vizinhas, as tias e avós. São elas que ajudam a suprir a necessidade de cuidados para milhares de crianças, principalmente nas periferias. Isso porque, além de insuficiente, a oferta de creches e pré-escolas é muito desigual.

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O terceiro tema do quadro Salve Comunidade aborda como as famílias das comunidades se viram para deixar suas crianças quando não há uma creche ou escola, ou quando tem só por meio período. Como mães que trabalham o dia inteiro fazem para deixar os filhos sob os cuidados de alguém?

Foto: Reprodução TV Vitória

Brasil precisaria criar 3,4 milhões de vagas na educação

O Instituto Rui Barbosa, organização ligada aos Tribunais de Contas dos Estados, estima que o Brasil precisaria criar pelo menos 3,4 milhões de vagas na educação infantil para cumprir as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação (PNE).

Por essas metas, todas as crianças de 4 e 5 anos deveriam estar na pré-escola até 2016 e 50% dos pequenos de 0 a 3 anos deveriam ter acesso à creche até 2024. 

A pandemia deixou o Brasil ainda mais distante desses objetivos, com mais de 650 mil crianças de 0 até 5 anos tendo deixado a escola entre 2019 e 2021, segundo o Censo Escolar de 2021, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

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Conforme o anuário brasileiro da educação básica 2021, do Todos Pela Educação, 54% das crianças de 0 a 3 anos dos domicílios mais ricos do país estavam matriculadas em creches em 2019, contra apenas 28% das mais pobres.

Entre as crianças de 4 e 5 anos, os percentuais eram de 98% e 93% para ricos e pobres na pré-escola, respectivamente, segundo o cálculo. 

Por regiões, enquanto os números de matrículas em creches chegavam a 44% no Sul e Sudeste, eram de apenas 33% no Nordeste, 30% no Centro-Oeste e 19% na Região Norte do país.

"O que meu marido ganha no emprego não dá para sustentar todos nós. Eu, ele e mais as crianças. A gente estaria passando fome se não fosse a ajuda do projeto", ressalta a chapeira Sueli dos Santos, mãe de sete filhos.

O projeto que ela se refere é o Instituto Vovô Chiquinho, um projeto criado no bairro Central Carapina que vive de doações e funciona em tempo integral, oferecendo vagas de berçário e atividades esportivas para centenas de crianças da região.

E na falta da rede de apoio? 

Como diz o poeta Jhon Conceito: "É nas falhas que as pessoas se transformam". Na falta de creches, famílias podem contar com a solidariedade de pessoas como Doraci Alves, a Dona Dora, criadora do projeto Vovô Chiquinho.

"A gente se ajuda... O projeto existe para isso mesmo: ajudar quem precisa. Sem isso aqui, muitas mães estariam numa situação muito difícil. Eu sou mãe, avó, mulher e sei o que é passar por isso", conta a aposentada.

Projeto ajuda famílias na Serra

O projeto Vovô Chiquinho é uma creche e atende crianças e adolescentes do bairro Central Carapina, na Serra. O bairro é conhecido pela vulnerabilidade social.

Foto: Reprodução TV Vitória

A ociosidade dos jovens preocupa os pais que precisam trabalhar e não tem com quem deixar seus filhos. O projeto com 20 anos de existência ajudou no crescimento do bairro e a principal matéria-prima utilizada foi e continua sendo o amor.

"Encontrei no projeto o suporte que precisava e hoje sou voluntária aqui. Meus filhos estão seguros, não passam mais fome e vivemos com mais dignidade", conta Gracielia.

A demanda cada vez mais crescente é um dos motivos que levam à falta de vagas nos municípios. 

"É quase que impossível atender uma demanda que aumenta a cada dia", avalia a psicopedagoga Vanessa Cavalcanti.

Conheça o Salve Comunidade

O Salve Comunidade traz reportagens especiais sobre temáticas diversas que impactam as regiões com maior vulnerabilidade social. A proposta não é retratar apenas os problemas, mas também dar espaço para as ações positivas que acontecem na periferia, muito além da violência e da falta de segurança que são temas recorrentes.

O diferencial do quadro, que também vai ao ar no programa Balanço Geral, na TV Vitória, é que, nele, a própria comunidade fala de si para os moradores. Resgata suas histórias, suas conquistas, os desafios, contando tudo a partir do seu próprio olhar.

Foto: Reprodução/ DNA Urbano

E quem conta essas histórias é justamente quem vive e compartilha da rotina dessas comunidades: Jhon Conceito, poeta marginal que cresceu nas vielas de Vila Garrido, em Vila Velha, e hoje é referência capixaba em poetry slams - batalhas de poesia cantadas.

Quem capta as imagens e acompanha as entrevistas para o Salve Comunidade é o jovem Ricardo Pereira, filmmaker (cinegrafista) e dançarino, morador de Flexal 1, em Cariacica. Com apenas 19 anos, Ricardo trabalha na produtora Act Group Art - do produtor e artista Miqueias Silva, o MiQ, também localizada na periferia - e já produziu mais de 15 videoclipes, sempre com artistas de comunidade.

O Salve Comunidade surgiu a partir de um projeto do Folha Vitória em parceria com a empresa Meta (Facebook/Instagram), que tem ainda o apoio do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ); Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner).

*Texto produzido pela jornalista Mayra Bandeira, da TV Vitória/Record TV.

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