Geral

Documento aponta que estado de adolescente era 'gravíssimo' antes transferência para o Himaba

Segundo o advogado das médicas que foram afastadas pela Sesa, o requerimento de transferência do pronto atendimento de Cachoeiro para o Hospital Infantil de Vila Velha solicitava uma vaga de enfermaria para Kevinn Belo Tome

Foto: Reprodução/Redes Sociais
Kevinn Belo Tome morreu após esperar por cerca de quatro horas por atendimento no Himaba

A ficha de atendimento da empresa responsável pelo transporte de Kevinn Belo Tome, 16 anos, que morreu no último sábado (30) aguardando atendimento no Hospital Infantil de Vila Velha, aponta que o adolescente apresentava quadro "gravíssimo" ao deixar o pronto atendimento de Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado, onde ele estava internado até então.

Kevinn foi levado para o pronto atendimento na última quarta-feira (27), mas como o estado de saúde dele piorou, ele foi transferido para o Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, dois dias depois. Ele morreu durante a madrugada de sábado, após aguardar por atendimento por cerca de quatro horas dentro da ambulância, que estava no pátio do hospital.

De acordo com o advogado Jovacy Peter Filho, responsável pela defesa das duas médicas plantonistas do Himaba, que foram afastadas logo após a morte do adolescente, o requerimento de transferência do pronto atendimento de Cachoeiro para o Hospital Infantil de Vila Velha solicitava uma vaga de enfermaria para Kevinn.

No entanto, segundo o advogado, o garoto chegou ao Himaba já intubado, o que indicava que ele deveria ser levado para o setor de emergência.

"O fato dele estar intubado já altera a classificação de risco dele. E essa é uma pergunta que precisa ser respondida pela Secretaria de Saúde: em qual momento foi alterada a categoria desse paciente, de um paciente de baixo risco para um de maior gravidade, portanto com maior risco para a saúde", questionou.

"Será que a remoção de um paciente com a gravidade em que ele estava era recomendável? E se era recomendável, por qual motivo e por quem foi determinado? E se não era recomendável, por que ainda assim aconteceu?", continuou o advogado.

Por meio de nota, a empresa RemoVida, responsável por fazer a transferência de Kevinn de Cachoeiro para Vila Velha, informou que o paciente tinha como destino o "setor Pronto Socorro, o que é diferente de leito de enfermaria".

A empresa ressaltou ainda que a ambulância UTI Móvel é utilizada somente para remoção de paciente em estado grave, "diferente de uma emergência ou UTI hospitalar, composta por especialistas e com recursos de apoio e suporte aos doentes graves".

"Mesmo com recursos e procedimentos limitados à UTI Móvel, a equipe de remoção responsável pelo atendimento do paciente Kevinn utilizou-se de todos os recursos e técnicas possíveis e disponíveis, com elevado grau de zelo profissional, ética e empatia", finalizou a empresa.

Advogado diz que médicas se empenharam para conseguir vaga para adolescente

Jovacy Peter Filho destacou que as médicas, que não tiveram os nomes divulgados, são intensivistas e, no dia do ocorrido, estavam responsáveis pelo setor de emergência. Ele disse ainda que as profissionais se empenharam na tentativa de conseguir uma vaga para Kevinn no próprio Himaba ou em outro hospital, por meio da Central de Regulação de Vagas.

Foto: TV Vitória
Advogado das médicas afirma que elas tentaram conseguir uma vaga para o adolescente

"Essa não deveria ser uma tarefa apenas delas. Formalmente nem é delas. Elas reportam e cabe ao sistema de alocação de vagas indicar para onde levar o paciente. Mas elas assim colaboraram e ficaram buscando essa vaga a todo momento, até a véspera do óbito desse paciente, infelizmente", frisou.

O advogado também explicou que as médicas não foram até onde Kevinn estava porque, no momento, estavam cuidando de outros oito pacientes na emergência do hospital. 

"Essas duas profissionais, junto à equipe de enfermeiros e auxiliares, eram diretamente responsáveis por cinco leitos de pacientes graves, ou seja, pacientes intubados. Elas estavam responsáveis por oito pacientes. O Kevinn chega por volta da meia-noite e a primeira visualização que uma das médicas tem do Kevinn já é no corredor do hospital. Então já cai por terra a informação de que sequer ele adentrou ao serviço", afirmou.

"Uma outra questão que se coloca é o porquê elas não prestaram atendimento, se elas foram omissas. Omissão só existe quando se pode agir de maneira diversa. Se tem oito pacientes e não pode recepcionar esse paciente, como podemos dizer que ela negou atendimento?", completou.

Sesa explica procedimento quando há mudança no quadro do paciente

Nesta terça-feira (03), a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) voltou a se manifestar sobre o ocorrido. De acordo com a direção do Himaba, a internação de Kevinn no Pronto Socorro da unidade estava autorizada pela Central de Regulação, por aceite devidamente documentado pelo Núcleo Interno de Regulação da Unidade Hospitalar. 

De acordo com a Secretaria da Saúde, "o Pronto Socorro do Himaba está composto por três médicos plantonistas na porta e mais três profissionais na rotina para avaliação dos pacientes em observação".

A Sesa informou ainda que "quando o quadro do paciente muda durante a remoção, a conduta de admissão do hospital de referência para urgência e emergência se mantém, ou seja, o protocolo é garantir a assistência e estabilização do paciente com encaminhamento para emergência do hospital e reavaliação do quadro clínico para encaminhamento ao recurso necessário ao paciente". 

"Durante avaliação na emergência é definido o recurso a ser solicitado podendo ser atendido em UTI ou enfermaria na própria unidade hospitalar ou solicitada vaga em outro hospital", destaca a secretaria na nota.

A Secretaria da Saúde ressaltou ainda que o "serviço de emergência, que se localiza dentro do próprio Pronto Socorro da unidade, conta com 10 leitos atendidos por dois profissionais médicos especialistas e que possuem todos os recursos de materiais, medicamentos, pontas de oxigênio e equipamentos para atendimento adequado a pacientes críticos".

Segundo a Sesa, no momento da chegada de Kevinn, a emergência possuía somente cinco pacientes críticos e os demais pacientes estáveis com condições de transferência para outros setores do hospital.

A secretaria reafirma também que, no momento da chegada do adolescente, o hospital tinha recurso assistencial disponível para o atendimento do paciente, e que "as médicas foram afastadas em acordo com o Código de Conduta da instituição que prevê o afastamento de colaborador ou prestador de serviço em casos como o ocorrido no último sábado, garantindo a ampla defesa".

Foto: TV Vitória
Nésio Fernandes afirmou que as médicas foram negligentes no atendimento

Na segunda-feira (02), o secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes, declarou que as médicas plantonistas do Himaba haviam sido negligentes ao se recusarem a atender o adolescente.

"Houve uma omissão de socorro, uma negligência grave, uma falta grave. Não houve falha da administração. Houve, sim, uma falha grave das profissionais assistentes em não acolher o paciente", afirmou o secretário.

Entidades médicas do ES repudiam postura da Sesa

A Associação Médica do Espírito Santo (Ames) divulgou uma nota, na segunda-feira, repudiando a postura da Sesa, "por realizar pré-julgamento dos médicos envolvidos no caso".

De acordo com a Ames, "o afastamento sumário sem processo administrativo disciplinar para apuração dos fatos, precocemente feita pela Sesa, denota uma tentativa de retirar de si qualquer responsabilidade sobre o caso".

"Todos os fatos precisam ser entendidos e devidamente esclarecidos para aí, então, se apontar culpados e se dar respostas", frisou o presidente da Ames, Leonardo Lessa.

O Sindicato dos Médicos do Espírito Santo (Simes) também repudiou as afirmações da Sesa, apontou problema na saúde publica capixaba e cobrou esclarecimentos.

"A gente quer apurar os fatos e saber quem são os verdadeiros responsáveis, não um julgamento prévio dessas colegas médicas. E uma coisa que a gente destaca: de norte a sul do Estado, a dificuldade para transferir um paciente grave para uma estrutura maior e com mais equipamentos. A espera é longa, é demorada", afirmou o presidente do Simes, Otto Baptista.

Polícia Civil recolheu documentos e imagens de videomonitoramento

A Polícia Civil informou que duas ocorrências foram registradas para apuração da morte do adolescente Kevinn Belo Tomé da Silva. Uma por parte da família da vítima e outra pela direção do Himaba.

Imediatamente após o registro, a Delegacia Regional de Vitória deu início às diligências, com acompanhamento de perto do delegado-geral, José Darcy Arruda. A polícia também informou que ainda no sábado (30), o diretor do Hospital prestou depoimento, assim como outras duas funcionárias.

"No domingo, a Polícia Civil coletou o depoimento da enfermeira chefe que estava de plantão no dia do fato e da médica que compunha a equipe da ambulância em que o menino estava. A Polícia Civil também recolheu documentos e imagens de videomonitoramento."

A investigação segue em andamento na Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Vila Velha.

A PC acrescenta que as médicas que estavam no plantão já foram identificadas e prestarão depoimento em momento oportuno. 

LEIA TAMBÉM:
>> Morte de adolescente em ambulância: advogado nega omissão de médicas
>> Sob forte comoção, adolescente que morreu em ambulância é enterrado em Cachoeiro
>> Morte de adolescente: direção do Himaba vai investigar por que garoto não foi internado

Pontos moeda