CICLO DAS ÁGUAS

Reúso faz indústria economizar água e beneficia população

Estratégias para uso racional também permitem desenvolvimento e proteção da vida marinha próximo ao descarte de efluentes tratados

Redação Folha Vitória

Foto: ArcelorMittal

A gente abre a torneira em casa e só espera que caia água limpa e pronta pra usar. Para fazer a comida, tomar um banho, deixar a casa limpa. Mas tem gente que, quando abre a torneira, recebe uma água barrenta, turva, cheia de impurezas.

A dona Maria Terezinha Bassani é aposentada, mora no bairro Hélio Ferraz, na Serra, e é uma espécie de fiscal da água. Muito conhecida na região, ela costuma passar de casa em casa e perguntar como está a situação. E não tem estado lá essas coisas. está faltando água com mais frequência hoje em dia.

“Não tinha falta d'água aqui. A gente nunca teve problema com o abastecimento, mas de três anos pra cá, talvez por causa das chuvas, o abastecimento tem sido cortado. Às vezes até sem aviso prévio. A gente é pego de surpresa. E quando a água retorna, ela vem em forma de barro. E a gente sabe que as pessoas passam mal, as crianças passam mal. Não é esse o produto que temos que receber”, diz dona Maria Terezinha.

E o diretor da Associação de Moradores da Serra, Elias Paulino, conhece bem o sofrimento que é ficar sem água.

“A gente vê por aqui. A falta d’água atrapalha todo mundo né? É uma realidade que ninguém quer passar por ela. Quando a estação começar a reaproveitar a água, acho que vai ser de extrema importância para a toda a região”, disse.
Foto: Arte Folha Vitória

A chave para mudar a realidade dos moradores do bairro está na mudança da forma de tratamento de água. Hoje, a comunidade e toda região são atendidas pela estação de tratamento em Jardim Camburi. Esta estação será desativada nos próximos anos e uma nova estação, com conceito diferente, será construída na Serra.

O que muda? A nova estação vai operar com reúso de água e, em vez de retornar o que é usado para os rios, vai direcionar para a indústria.

O consórcio GS Inima Tubonews, formado por uma empresa da Espanha e outra da Bahia, foi o vencedor do leilão que definiu a construção da Estação de Produção da Água de Reúso, que será instalada na Serra. Quando entrar em operação, vai produzir 300 litros de água por segundo. Desse total, 200 litros serão consumidos pela ArcelorMittal.

Os outros 100 litros ficarão à disposição do mercado, pois não pode ser usada na casa das pessoas. A nova estação ficará perto da siderúrgica e o prazo do contrato é de 30 anos.

O engenheiro ambiental e assessor da Diretoria Operacional da Cesan, Diogo Siqueira, afirma que a demanda por água na indústria é muito grande e muitas vezes há concorrência com a população no fornecimento. Com a nova estação, a conta fica mais equilibrada a favor das comunidades.

“A utilização da água de reúso já é a realidade em outros países. Aqui no Estado e no país a Cesan é pioneira. É importante dizer que o projeto previsto para essa estação de água de reúso prevê uma tecnologia que é o verdadeiro estado da arte no tratamento de efluentes. É tecnologia diferenciada, de ponta, que prevê processo de utilização de membranas de ultrafiltração, seguida de osmose reversa”.

A relação da água que chega nas torneiras com o esgoto que volta para o ambiente é direta. Porque se a gente trata o esgoto, fica mais fácil, barato e seguro captar água.

E as indústrias, que precisam de água para produzir e gerar empregos, ao mesmo tempo são consumidoras de grandes quantidades de água. E essas empresas já começam a enxergar que o caminho é o reúso. Porque se não tiver água, elas fecham.

Por isso é bom estar atento aos números, que são assustadores. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes, o equivalente a 300 caminhões-tanque por dia de efluentes sem tratamento são despejados nos mananciais. É água suja que contamina os rios e o mar.

Foto: Arte Folha Vitória

A ArcelorMittal, que já se comprometeu a ficar com parte da água de reúso da nova estação, precisa de água limpa para operar, além da necessidade de água do mar para resfriar equipamentos.

A empresa também trata parte da água que consome. Ou seja, usa toda fonte alternativa que consegue. Tudo isso significa mais água dos mananciais direto para a população.

“A gente tem que ter esses princípios. Da eficiência. Usar só o necessário, recircular e reusar a água, e, mais que isso. Se você tiver oportunidade de fontes alternativas de água, que é o nosso caso com o mar, usa a fonte alternativa. Assim você preserva os rios. Existe uma ideia da sociedade que o Brasil tem muita água. Mas a verdade é que o recurso hídrico está localizado pontualmente. Se você tem a possibilidade de usar a água do mar para refrigerar um processo, explore esta oportunidade”, afirma Fabrício Assis, diretor de Produção de Gusa e Energia da ArcelorMittal.

E isso não diz respeito apenas ao politicamente correto. Ser racional na hora de explorar a água é uma questão também de reduzir custos e tornar a operação sustentável.

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“Se você quer ter uma empresa perene, se você quer construir o futuro da empresa, você precisa ter a segurança de que essa empresa vai estar sempre operando e de bem com a sociedade que está em torno. Tudo que a gente faz tem que ser eficiente. Você tem que ser uma empresa produtiva, uma empresa dando resultado, você tem que usar a quantidade de água correta, evitar desperdício. O primeiro pilar para você reduzir custos no tratamento de água é evitar o desperdício, é consumir só o que você precisa. E depois reusar e reutilizar”, pontua.

Foto: Arte Folha Vitória

E esse esforço para reusar a água ainda traz alguns efeitos colaterais positivos. A área de descarte da água do mar usada no processo de resfriamento é repleta de vida marinha. Há mais de 20 anos, virou ponto de encontro de tartarugas verdes.

A temperatura cerca de 4ºC acima do normal atrai a espécie que chega em busca de comida. Por causa desse movimento, o Projeto Tamar instalou uma base no local e já catalogou mais de 25 mil animais.

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O ambientalista Fernando Schettino destaca a importância de a indústria praticar e promover o reaproveitamento da água de seus processos. Para ele, é a melhor forma de preservar os mananciais, que devem ser prioridade para o nosso consumo.

“O impacto é extremamente positivo e racional, porque hoje nós pegamos a água bruta nos mananciais para a industria utilizar. Quando nós pegamos uma água que já foi utilizada, no esgoto, nós vamos evitar de pegar essa água limpa onde estão os peixes, que está na natureza, para usar na indústria. E a água ser preservada também é necessária. Então, é uma soma perfeita o fato de reutilizar para o setor industrial”, disse Schetttino.

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